Sistema Brasileiro de TV Digital
Nestes últimos meses, realizamos coletivamente uma intensa atividade de pesquisa e desenvolvimento, sem precedentes na história da engenharia Brasileira, inaugurando um sistema de desenvolvimento programado envolvendo empresas, universidades e vários setores da sociedade com metas claras e definidas. Neste processo, as centenas de técnicos e cientistas brasileiros envolvidos criaram um dos sistemas de TV digital mais avançados do planeta e, ao mesmo tempo, nos equiparamos tecnicamente aos países mais avançados nesta área, assumindo um papel destacado entre os gigantes emergentes como China, Rússia e Ãndia.
Este processo inédito tem sido marcado pelo rigor científico, solidez tecnológica, viabilidade econômica e vem sendo seguido atentamente pela sociedade em geral, sobretudo pela imprensa. Debatemos intensamente com os críticos do processo. Quando tiveram a oportunidade de conhecer os resultados obtidos, calavam-se uns, enquanto outros se tornavam ardorosos defensores da nossa iniciativa.
Obstáculos surgiram, dentre os quais: restrições de acesso a tecnologias, prazos exíguos, restrições orçamentárias e burocracia das mais diversas formas. Apesar disso, encaramos essas restrições como desafios a serem superados e, rigorosamente dentro dos prazos previstos, cumprimos as metas estabelecidas com excelência e engajamento.
Nesta próxima fase que agora adentramos, enormes serão as possibilidades de serviços que poderão ser desfrutados pela população, graças a todas as inovações propostas e validadas experimentalmente pela inteligência brasileira.
Imediatamente a população irá perceber a incrível qualidade de som e imagem propiciada pelas melhores tecnologias de codificação multimídia, no caso oferecidos pela padrão MPEG4. A adoção desta tecnologia aberta irá significar também uma alavanca ao desenvolvimento do conteúdo audiovisual nacional. Ao mesmo tempo, com as tecnologias inovadoras propostas pelos pesquisadores brasileiros, preservaremos um recurso esgotável e não renovável que é o espectro eletromagnético, podendo utilizá-lo de forma mais racional.
A possibilidade da inclusão digital a partir da oferta de serviços de TV Interativa em telemedicina, teleeducação, Previdência Social e demais serviços de governo eletrônico à distância são uma possibilidade concreta, quando consideramos as inovações brasileiras na área de sistemas operacionais, middleware e terminal de acesso de baixo custo com acesso à internet.
Neste momento, o Brasil se encontra numa encruzilhada histórica ao assumir o papel de protagonista numa tecnologia de alcance mundial. Conseguimos marcar um gol nos primeiros minutos do primeiro tempo, mas ainda temos muito a jogar na questão do nossa política industrial, no projeto de circuitos integrados da TV digital, no renascimento da indústria de semicondutores no Brasil, na adoção de nossas tecnologias em novos produtos e no esforço mundial de padronização dos sistemas de TV Digital. Precisamos ser coerentes na continuidade dessas políticas públicas nos próximos anos, sob o risco de perdermos todo o esforço realizado, afinal trabalhar em tecnologia e inovação é como corrida de de bicicleta. Precisamos de equilíbrio, agilidade, vontade de vencer e continuidade. Se pararmos caímos.
Como desafio imediato, precisamos transformar essas inovações em produtos e serviços, estabelecendo o cronograma de implantação e um novo marco regulatório na radiodifusão brasileira, para que todos esses benefícios possam atingir rapidamente nossa população.
Ao assumirmos esse papel protagonista, fomos ousados e ao mesmo tempo sensatos. Superamos paradoxos, ao adotarmos, na partida, as tecnologias mais avançadas, ao mesmo tempo compatíveis com o poder aquisitivo da nossa população.
A estratégia que adotamos foi a de escolher as melhores tecnologias. Tecnologias, ao mesmo tempo, abertas e livres. Estabelecemos uma visão de futuro, pois sabemos que, na era da informação, rapidamente essas tecnologias entram em obsolescência. Entretanto, não podemos nos esquecer que temos em torno de 100 milhões de TVs instaladas nos lares brasileiros e não queremos que nenhum cidadão brasileiro seja privado desta tecnologia.
Nos preocupamos muito com a robustez da transmissão, pois na TV digital o sinal pega ou não pega. Principalmente nas grandes concentrações urbanas, corríamos o risco de excluir milhões de residências de receber o sinal de TV digital, caso não adotássemos as melhores soluções. Daí a adoção da modulação OFDM proposta originalmente em 1962, nos Estados Unidos. Ao longo do tempo, ela foi adotada pela Europa e, mais tarde, aprimorada no Japão. Nossa escolha da versão
mais robusta desta modulação é o mais apropriado frente às condições geográficas e urbanas do nosso país. Fizemos inúmeras comparações e aperfeiçoamentos estão sendo propostos pelos institutos de pesquisa brasileiros.
Hoje temos a liberdade de propor, desenvolver, aprimorar, produzir e oferecer tecnologia moderna e flexível de TV digital. A associação com o Japão é de fundamental importância, e desde já convido os nossos colegas cientistas e engenheiros japoneses a enfrentarmos juntos o desafio da INTEROPERABILIDADE da TV no mundo para superarmos as atuais incompatibilidades dos demais sistemas, de tal forma que num futuro próximo, os produtos Brasileiros e Japoneses possam operar em qualquer país do mundo e a questão do padrão A, B ou C seja irrelevante ao consumidor final.
O Brasil precisa não apenas de inclusão digital, mas também de inclusão científica e tecnológica. Temos hoje mais de 60.000 pesquisadores nas nossas universidades, temos competência científica e tecnológica para resolver os grandes problemas deste país. Bastam vontade política e formulação de políticas públicas coerentes no médio prazo. Deste modo, poderemos criar uma nação em que nossos filhos se orgulhem dela e onde a fome, a ignorância e a exclusão social sejam definitivamente erradicados.
Saudações Universitárias,
Marcelo Knörich Zuffo
Professor Livre Docente da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
Brasilia, 29 de Junho de 2006