30/03/2010

Chip nacional ainda encara desafios


O esperado projeto de criação do Centro Nacional em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec) saiu do papel e a brasileira Altus, junto com a sul-coreana Hana Micron, anunciaram a instalação de uma fábrica no país em 2011. Porém, parte da etapa de fabricação dos semicondutores continua sendo feita no exterior.

A aposta do governo consistiu em estimular as duas pontas da cadeia produtiva, afirma o secretário de política de informática do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Henrique de Oliveira Miguel.

De um lado, o governo investiu, nos últimos cinco anos, R$ 400 milhões na criação do Ceitec, empresa de capital misto vinculada ao MCT, que se dedicará à produção dos processadores. Na outra ponta da cadeia, subsidiou a formação das "design houses", com recursos totais de R$ 20 milhões. Como resultado, o número de centros para criação de processadores passou de 7 em 2005 para 20.

A Silicon Reef, de Recife, e a Chipus Microeletrônica, de Florianópolis, são duas das empresas favorecidas por essa política. A Silicon Reef foi criada em 2008 e recebeu R$ 1,2 milhão em subsídios, afirma Marília Souto Maior de Lima, diretora executiva da empresa. A companhia desenvolveu um chip para gestão do consumo de energia em celulares e circuitos integrados para TV digital e automóveis. A produção, porém, é feita na Alemanha. "Esses chips poderiam ser fabricados no Brasil se houvesse tecnologia compatível", diz Marília.

A Chipus, também fundada em 2008, desenvolve blocos de IP (componentes de chip) para bens de consumo. De acordo com Murilo Pilon Pessatti, sócio-fundador da empresa, a Chipus também encomenda a produção a uma fábrica alemã. "A produção é feita no exterior porque não existe fábrica adaptada no Brasil. Mas nada impede que, quando o Ceitec estiver funcionando [plenamente], essa produção possa ser feita internamente", diz.

A Smart Modular Technologies é uma empresa americana que instalou fábrica no Brasil em 2005, mas decidiu apostar apenas na fase de encapsulamento do chip. A unidade instalada em Atibaia (SP) faz o encapsulamento de memórias da Samsung, que são produzidas no exterior, processadas aqui e reexportadas.

O diretor presidente da empresa no Brasil, Rogério Jacomini Nunes, observa que o investimento para instalação de uma fábrica para cumprir todas as etapas de fabricação de um chip custaria mais de US$ 1 bilhão. A estrutura para fazer o encapsulamento demanda custa de US$ 50 milhões a US$ 100 milhões. "O Brasil ainda não possui tecnologia para produção de chip em larga escala, mas pode apostar na produção em pequena escala, voltada a nichos de mercado", afirma.

O Ceitec já desenvolveu alguns projetos de chip e pretende iniciar a produção em larga escala no quarto trimestre. A expectativa é de produzir neste ano 100 mil chips e evoluir para 50 milhões de unidades por ano até 2012.

A empresa vai se concentrar em três segmentos: chips de identificação para rebanho bovino, rastreamento de produtos para a indústria de bens de consumo e processadores para TV digital. De acordo com o presidente do Ceitec, Eduard Weichselbaumer, alguns desses projetos já foram concluídos e estão em fase de modelagem e teste para a produção futura em larga escala.

Weichselbaumer diz que o centro pretende fabricar semicondutores desenvolvidos pela empresa e também atender à demanda de terceiros, se houver. "Hoje, o volume de demanda das 'design houses' é muito pequeno. O país como um todo levará em torno de dois anos para formar uma cadeia capaz de concorrer internacionalmente", avalia o executivo.

De acordo com dados do Ministério da Ciência e Tecnologia, o valor das importações de componentes semicondutores foi de US$ 4 bilhões em 2008 e baixou para US$ 3,2 bilhões no ano passado. Esse valor não inclui as importações de chip dos equipamentos já montados.

De 11 milhões de computadores vendidos no mercado brasileiro em 2009, entre 3 milhões e 4 milhões foram importados. Pelos cálculos de Henrique Miguel, do MCT, se esses equipamentos prontos forem somados às importações de componentes, as compras externas totais de semicondutores chegam a US$ 10 bilhões ao ano.

A Freescale, antiga unidade de negócios da Motorola, dedica-se no Brasil à criação de processadores para o setor automotivo, que são fabricados nas fábricas da matriz nos Estados Unidos. A empresa não recebeu recursos públicos, mas contratou 30 dos 200 projetistas formados por um programa federal de capacitação de mão de obra especializada no setor.

O diretor geral da Freescale no Brasil, Armando Gomes da Silva Júnior, faz uma avaliação mais otimista sobre a evolução do setor. "O ecossistema está se formando. Em dois ou três anos surgirão novos atores", diz. Ele cita como indicador desse movimento a parceria fechada em dezembro entre a Altus e a Hana Micron para abrir uma unidade dedicada à montagem de lâminas de semicondutor importadas, um projeto orçado em US$ 200 milhões.


Matéria publicado no Jornal Valor Econômico em 24/3/2010 por Cibelle Bouças.

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